junho 04, 2011

«Ela olhar-me-ia com os olhos de Isabelle d’Este, e eu desejaria sentar-me na sua mesa, pegar-lhe nas mãos, com os dedos ainda fechados, e sentir a sua pulsação que arrancar ao piano a música que eu me lembro de ouvir, vinda até mim pela janela aberta de uma sala com as cortinas semicerradas, à espera que o silêncio se fizesse e ela as abrisse para me revelar o seu vulto, idêntico ao desse quadro de Ticiano que já não sabia se chegara a ver, no Museu de Viena, na tarde em que o comboio parou num descampado a caminho de Salzburgo.»


Ticiano (Italian 1490-1576), Isabella d'Este, Duchess of Mantua 1536

«O que mais temos de desejar, então, quando as coisas vêm bater à nossa porta, dando-nos as chaves que abrem os códigos mais secretos para ler o futuro e o passado dos seres que queremos conhecer? Foi isto que me perguntei quando dei por que Isabelle d’Este desaparecera, na passagem entre o comboio parado e a camioneta que me levaria a outra estação para apanhar outro comboio que me levaria a Salzburgo; a não ser que ela não fosse Isabelle d’Este, mas uma simples empregado do Museu, contratada temporariamente para substiuir alguém que metera férias, e que vira em mim uma possibilidade de fuga, muito emboraeu não possa saber o que é que possa levar alguém a querer fugir de Viena para Salzburgo.»

Nuno Júdice, O Anjo da Tempestade,
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2009; pp.64;99.

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