«Curvou-se, esboçando gestos desamparados em direcção às duas partes de Shridaman, sem saber qual das duas abraçar, a qual delas dirigir a palavra.
— Shridaman, querido amigo, que fizeste! Como conseguiste, por tuas próprias mãos e braços, realizar empreendimento tão difícil? Que se passou na tua alma, para te levar a isso! Oh! Desgraça! Oh! Desgraça! Dize, sou culpado? Sou, na verdade, culpado da tua morte, pelo simples facto de existir, senão também pelos meus actos? No entanto, que mais pode um homem fazer do que evitar agir? Fiquei calado o mais possível, para não me arriscar a que a minha voz parecesse meiga. Não disse palavras supérfluas nem a chamei pelo nome, quando lhe falava. Mas de que serve tudo isso, se fui culpado pela minha própria existência carnal? Devia ter ido para o deserto, como anacoreta, observando os preceitos mais rigorosos. Mas, em minha defesa, posso alegar que teria partido se tivesses falado. Porque nunca falaste, querida cabeça, antes de aí jazeres separada do corpo, quando ainda estavas sobre os ombros? Não falaste, agiste magnânima e cruelmente, mostrando-me como devo proceder. Certamente, não julgaste que eu te falharia, que os meus fortes braços hesitariam ante o feito que os teus delgados braços consumaram! Deveria, porventura, sair para contar-lhe o que fizeste e ouvir-lhe no grito de horror o júbilo secreto? Deveria seguir pelo mundo, com o nome enodoado, e deixar que o povo dissesse, como decerto diria: — Ali vai Nanda, o miserável; enganou o amigo e matou-o por cobiçar-lhe a mulher? Não, isso não! Nunca! Seguir-te-ei e que o eterno ventre beba o meu sangue junto com o teu.»
op. cit., p. 84-6
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