junho 07, 2015

eis o relato da origem e desenvolvimento da civilização humana,
logo após a invenção do fogo - e o cozinhar os alimentos :) -,
depois de mostrar como a linguagem e o nomear as
coisas surgiu naturalmente entre os humanos
[e, digo eu, - que o li algures -, a linguagem
só começou, depois dos hominídeos terem deixado a floresta
e o seu imenso bruá cacofónico, e migrado para a savana,
onde o silêncio envolvente, tornava audível
a articulação dos sons da fala! :)]



Uma maravilha!


«E a propósito do fogo não te interrogues para contigo:
foi o raio que primeiro fez descer o fogo à terra para os homens
e foi a partir daí que todo o ardor da chama se espalhou.
Com efeito, vemos muitos corpos inflamados pelos fogos celestes,
quando um golpe do céu lhes comunica  o seu calor.
E, contudo, quando uma árvore frondosa, vacilando fustigada pelos ventos,
se agita e se encosta aos ramos de outra árvore, nasce da fricção
um fogo de fortes forças, e brilha por vezes o férvido calor da chama,
enquanto os ramos e os troncos se friccionam entre si.
Qualquer destas coisas pode ter dado o fogo aos mortais.
Depois, o sol ensinou a cozinhar os alimentos
e a amolecer com o calor da chama,
porque os homens viam muita coisa a amolecer nos campos,
vencidas pelos golpes dos raios e pelo calor do sol.
Depois, com o passar do tempo, aqueles que tinham mais engenho
e inteligência ensinavam a mudar a vida com as novas invenções e com o
fogo,
começaram a fundar cidades e os próprios reis
começaram a estabelecer cidadelas, protecção e refúgio para si próprios,
a dividir os gados e a distribuirem os campos,
de acordo com a beleza, com as forças e a inteligência de cada um.
Na verdade, a beleza foi de grande importância e as forças tinham grande
valia.
Depois, inventou-se a propriedade e foi descoberto o ouro,
que facilmente retirou aos fortes e belos o favor,
com a maior parte a seguir o séquito do mais rico,
por muito fortes que sejam ou dotados de um belo corpo.
Mas se alguém orientar a sua vida com recta razão,
a grande riqueza para o homem é viver frugalmente
com espírito tranquilo: com efeito do pouco nunca há falta.
Mas os homens quiseram ser ilustres e poderosos,
para que a sua fortuna perdurasse com sólidos alicerces
e, opulentos, pudessem passar uma vida tranquila.
Em vão, pois competindo para alcançar o pico das honrarias,
encheram de perigos o caminho e a inveja
como um raio, derruba-os lá do alto com um golpe,
e precipita-os  ignominiosamente no negro Tártaro,
pois a inveja abrasa as coisas mais excelsas como um raio,
de forma que de um modo geral é muito mais satisfatório
que um homem pacato obedeça em vez de querer governar,
exercendo o poder, e dominar reinos.
Por isso, deixa-os lá suar em vãos esforços,
labutando ao longo do estreito caminho da ambição,
pois o que sabem vem-lhes do que  os outros dizem e pedem coisas
a partir do que ouviram, mais do que a partir dos próprios sentidos.
E isto não acontece mais agora do que aconteceu antes e do que será no
futuro.
Ora, mortos os reis, jazia destruída a prístina majestade dos tronos
e os ceptros soberbos, e a insígnia ensanguentada  da cabeça real
chorava ao ver sua excelsa honra sob os pés do vulgo.
Na verdade, é calcado com sofreguidão excessiva aquilo que antes se
temeu.
E assim o poder regressava à escumalha e às multidões
e cada um reclamava para si o poder e o posto mais elevado.
Depois, houve quem ensinasse a nomear um magistrado
e a estabelecer direitos, para que quisessem ter leis.
Na verdade, o género humano, cansado de passar o tempo na violência,
enfraquecia devido às inimizades, razão de sobra para de bom grado
se submeter a leis e a um rigoroso Direito.
Isto porque aquele que se preparava para ferir na sequência da ira
o fazia com mais violência do que agora é permitido por leis justas.
Foi por isso que os homens se enfadaram de passar os seus dias em
violências.
Desde então, o pavor das punições mancha as alegrias da vida.
De facto, a violência e o ultraje enredam aquele
de quem partiram e a ele regressam na sua maioria,
e não é fácil levar uma vida tranquila e calma
a quem viola com as suas acções os comuns pactos da paz.»

Lucrécio, Da natureza das coisas («De rerum natura», I a.C.),
Trad., introd. e notas: Luís Manuel Gaspar Cerqueira,
Relógio D’Água, Lisboa, 2015, Livro V, 1091-1155

junho 02, 2015

 
 














(1) Existe o composto;
(2) Portanto, existe o simples;
(3) O simples não pode ser extenso;
(4) A extensão é divisível em partes;
(5) Nenhum corpúsculo, por minúsculo que seja,
é indivisível, pelo que não é simples;
(6) Logo, o elemento simples, que deve existir,
deve ser inextenso.
(7) Então, como e onde encontrar um elemento
real, inextenso e simples?
(8) No conhecimento imediato, na natureza espiritual,
na experiência interior da nossa consciência.
(9) A consciência é o exemplar mais acessível dos átomos
inextensos de que os compostos são feitos.
(10) Chamam-se mónadas (= unidades) às substâncias primárias.
(11) No universo só existem mónadas e compostos de mónadas.
(12) Nas mónadas distinguem-se duas coisas:
«percepções»
«apetições»
(13) Uma mónada é apenas um centro de percepção e de apetição.
(14) Distinguem-se na percepção dois modos:
percepções conscientes ou «apercepções» e,
percepções inconscientes ou «pequenas percepções».
(15) Há inúmeros estados de que não nos apercebemos.
(16) Contudo, é preciso que nos «apercebamos» desses estados
sem deles nos «apercebermos».
(17) Porque só assim sucedendo se explica que consigamos
apercebermo-nos dos objectos compostos dos estados
de que não nos «apercebemos».
(18) Em nós, são poucas as percepções de que temos conhecimento.
(19) Em compensação, sentimos uma infinidade de percepções inapercebidas.
(20) Distinguem-se entre si as percepções obscuras, claras, distintas, adequadas.
(21) Percebemos obscuramente o que nãoestamos em estado de reconhecer.
(22) Percebemos claramente oque estamos em estado de reconhecer.
(23) Percebemos distintamente o que analisamos suficientemente
para lhe distinguirmos os elementos.
(24) Percebemos adequadamente o que podemos analisar até ao fim.
(25) A observação mostra-nos:
1º objectos inorgânicos;
2º seres vivos, como as plantas;
3º seres vivos conscientes, como os bichos;
4º seres vivos conscientes, capazes de reflexão
e de ciência, como os homens.
(26) O que são todos estes objectos, todos estes seres?
(27) Só existem mónadas imateriais.
(28) São as mónadas que correspondem aos objectos que conhecemos.
(29) As mónadas existem em número infinito e compoem cada partícula
mínima da matéria.
(30) Cada mónada possui, como nós, percepção conjunta do universo.
(31) Cada mónada tem apetições que se orientam para a perfeição
adequada de todas as coisas.
(32) Contudo, essas percpções são do estado de «pequenas percepções».
(33) As mónadas não se apercebem de que se apercebem.
(34) Nos homens, a mónada dominante é um espírito, uma consciência
capaz de ideias distintas, de apreender axiomas racionais, de construir
ciências como a matemática e as ciências da natureza.
(35) Deus é a «mónada das mónadas». Possue um entendimento que lhe
representa todos os possíveis, uma vontade orientada para o Bem
Absoluto, e que escolhe o melhor mundo possível.
(36) É por ser o melhor possível, que o universo existe como o conhecemos.
(37) É na natureza do Bem que reside em última análise, a última razão
de ser de todas as mónadas criadas.
(38) Como é que as mónadas se podem conhecer umas às outras?
(39) As mónadas não são constituidas por partes;
(40) Por isso, não podem actuar do exterior, umas sobre as outras.
(41) A acção exterior só pode exercer-se aumentando, diminuindo ou
modificando as partes do objecto sobre que incide;
(42) Ora o que não é constituido por partes nãopode suportar nenhuma
acção exterior;
(43) No entanto, as mónadas conhecem-se mutuamente.
(44) Como o conseguem?
(45) De toda a eternidade, cada mónada é uma fonte viva de percepção;
(46) Em estado de pequena percepção inconsciente, tudo nela existe em
estado destinado a perceber;
(47) Em cada mónada, as percepções seguem-se umas às outras em
conformidade a determinismo certo, e desde o princípio todas
as mónadas estão em harmonia;
(48) A cada estado de uma mónada A corresponde um estado das
mónadas B, C, D, E, etc.; a cada variação da primeira corresponde
uma variação paralela de todas as outras;
(49) Por virtude do seu acordo, as mónadas aparentam influenciar-se
mutuamente;
(50) Mas na realidade não o fazem;
(51) Cada mónada evoluciona como se estivesse sozinha mas as fases
da evolução de uma correspondem exactamente às de todas as outras.

André Cresson, Os Sistemas filosóficos, trad.
Edmundo Curvelo, colecção Biblioteca Cosmos,
nº 24 e 26 (2 vol.’s), Editora Cosmos,
Lisboa, 1942, pp. 14 a 18, (2º vol.)