(continuação 2)
A FOLHA E A SOMBRA DELA
III
Mas na verdade não é bem assim.
No instante em que as duas se encontram,
a sombra morre sem mais consequências.
A folha porém, despojada da sombra,
levará muito mais tempo a morrer
e morrendo dissolver-se-á na terra,
servirá de nutriente a outras árvores,
que por sua vez darão as suas próprias folhas
que terão as suas próprias sombras
e que cada ano os ventos do Outono
pintarão de amarelo e soprarão para longe
com a sombra a persegui-las até ao reencontro
– deixando acaso uma folha solitária
com que esta fabula se repita e se renove
até ao fim dos tempos.
a.m. pires cabral, gaveta de fundo,
Lisboa, Tinta da China, 2013, p. 65
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