As horas que emolduram, com um brando
lavor o doce olhar em que se habita,
hão-de tiranizá-lo, desfeando
o que de sublimarem tinham dita.
O tempo sem descanso leva o verão
ao terrível inverno e os mistura:
a seiva com geada, a folha ao chão,
nudez geral e neve em formusura.
Não destilasse o verão algum proveito,
líquido prisioneiro em vidro posto,
passava co’a beleza o seu efeito:
nem ele nem lembrança de seu gosto.
No inverno, destilada e só fragrância,
a flor, perdida a forma, é só substância.
Shakespeare, Sonetos, trad.
Vasco Graça-Moura, Bertrand, 2002, p.21
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