março 29, 2013


«Tudo quanto Cousin afirmava em nome da experiência interior, nega-o uma nova psicologia em nome dessa mesma experiência. [ ]

Suponhamos pois com Cousin que possuímos certos conhecimentos a priori: o valor objectivo destes conhecimentos não poderá consistir, como o de todos os outros, senão na sua concordância com os fenómenos: simplesmente, enquanto os nossos conhecimentos se coordenam ordinariamente pelos respectivos objectos, será necessário, se esses conhecimentos de que se fala são verdadeiramente a priori, que sejam, pelo contrário, os fenómenos que se coordenem por eles.

Foi precisamente assim que Kant o entendeu, quando empreendou o estabelecimento e não, como se supôs, a destruição, do valor objectivo dos princípios do nosso intelecto [ ].

Será mesmo lícito afirmar, em nome da observação anterior, a existência de uma espécie particular de conhecimentos  a priori? Estes conhecimentos, na psicologia de Cousin, são de duas espécies: uns, como o «princípio de substância» e o «princípio de causa», são relativos a coisas em si; os outros, como o princípio de indução, têm o seu objecto no mundo dos fenómenos.

Ora parece-nos que os primeiros, se realmente existem no nosso espírito, merecem mais o nome de crenças do que o de conhecimentos: é com efeito possível que correspondam a objectos, mas não temos possibilidades de o averiguar, visto que, por hipótese, tais objectos estão situados fora da esfera da nossa consciência.

Um juízo como o princípio de indução pode pretender, pelo contrário, o título de conhecimento, porque só de nós depende averiguar que as coisas se passam na natureza em conformidade com esse princípio: mas deverá este conhecimento ser a priori ou a posteriori?

[Direis] que o princípio de indução nos faz conhecer a priori a ordem que reina no universo: [mas] concordais ser a experiência que dá valor de objectividade [àquele] princípio e que, se ele existe a priori no nosso espírito, só a posteriori adquire o título e a categoria de conhecimento.

[ ] Não temos pois motivo nenhum para admitir, sob o nome de razão, uma faculdade original, a menos que essa faculdade seja a de formular, sobre as coisas em si, juízos cujo valor e a própria existência fogem a qualquer discussão.»

Jules Lachelier, Psicologia e Metafísica,
Trad. e Prefácio Adolfo Casais Monteiro, Lisboa,
Cadernos Culturais Inquérito, nº 87, pp. 20 a 22

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