junho 06, 2011

«É então que o problema da morte nos toca; mas sentia-me indiferente perante ela, com a mesma irónica impassibilidade que percorre o rosto de Rosina no seu confronto com o esqueleto. No fundo, [ ] sentia-me no lugar do corpo que na Lição de anatomia do Dr. Nicolaes Tulp de Rembrandt, é objecto de um discurso sobre os mecanismos da vida; mas esse discurso só pode ser feito quando o coração deixou de bater, e o instrumento cirúrgico do anatomista desvenda os enigmas da circulação do sangue e de ideias que constitui a realidade de uma pessoa.»


Rembrandt, De Anatomische les van Dr. Nicolaes Tulp, 1632

«Também na Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp o escalpelo começa o seu trabalho oelo baixo-ventre, pondo para fora o intestino do cadáver de Adriaan Adriaansz, mais conhecido por Het Kint, que fora posto à disposiçaõ do médico após ter sido enforcado. Não sei que crime terá sido cometido [ ]. No entanto, essa condenação fez com que o seu corpopermanecesse para além da vida, deitado na mesa do teatro anatómico do Dr. Nicolaes Tulp, sob os olhos atentos de sete discípulos que parecem ofuscados pela brancura do morto, onde só os lábios têm a púrpura da morte.»


Nuno Júdice, O Anjo da Tempestade,
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2009;
pp. 119; 131

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