«Nessa confrontação de um único dia
(medida unitária do tempo) com todos
os dias (medida fragmentada do tempo)
percebeu que o que a cansava e fazia sofrer
era a perda de consciência motivada pelo trabalho.
Ser destinado à morte (de facto, assim era)
necessitava de, já em vida corporal,
mergulhar no sentido eterno.
Por causa da distracção permanente
a que os seus sentidos mais queridos
eram impelidos [no local do trabalho]
[este] transformara-se num lugar de penas,
e raros momentos de reencontro.
As pessoas passavam, passavam desligadas
dessa aragem do cosmos com que se perfumavam,
e as noites caíam sobre dias esmagados
pelos trabalhos no tempo.»
Maria Gabriela Llansol, Uma data em cada mão -
Livro de Horas I, Lisboa, Assírio & Alvim, 2010, p. 137