janeiro 08, 2009

Richard Strauss (Also sprach Zarathustra) - humanity


Tudo o que pertence ao universo,
seja partícula ou galáxia,
seja um animal ou um calhau,
tem, por convenção,
uma existência própria,
todo o objecto é.
Mas seja ele o que for,
a sua definição é arbitrária.

Este calhau ou aquela galáxia,
só através do olhar do observador
adquirem o estatuto de um ser individualizado;
é o observador que, ao traçar a fronteira do que pertence ao objecto,
lhe confere uma singularidade. Para ser objecto do universo,
tem de ser objecto de discurso de um observador
[possível, acrescento eu].

Claro que o homem não é o único observador;
os animais dotados de visão vêem, todas as manhãs,
tal como o homem, a mancha brilhante que sobe no céu;
mas só o homem é capaz de ir além dessa constatação
e de transformar essa mancha em objecto – o Sol.
Essa estrela, como todas as estrelas,
é uma criação do discurso humano.
Sem o homem, o universo não passaria de um continuum sem estrutura. [Discordo aqui; é suficiente que o universo seja compatível com observadores inteligentes]

Qualquer ser humano pode focalizar sobre si mesmo este olhar criador de objectos. Ao focalizar-se, ele já não é só um existente, mas alguém que sabe que existe, alguém que transforma a sua pessoa em objecto do seu discurso. É isso a consciência. Uma experiência que nos permite saber-nos existentes.
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O que houve, ao longo da evolução do cosmos, foi pura e simplesmente uma continuidade na aparição de poderes sempre crescentes das estruturas materiais que se foram formando, poderes esses relacionados com a complexidade dessas mesmas estruturas.

Esse processo foi continuado até ao aparecimento do campeão
da complexidade que é o cérebro humano.

Entre os poderes que recebeu o cérebro,
conta-se o mais decisivo de todos eles, a saber,
a criação da comunicação entre os homens,
a que nós chamámos o «discurso».

Foi então que cada um de nós pôde tomar-se a si próprio
como objecto do seu próprio discurso, ou seja,
desenvolver a sua consciência de existente.

Mas esse discurso só podia existir
numa rede de troca e de partilha.

Essa rede colectiva é, assim, o ponto de partida da consciência individual. O que gosto de resumir com a fórmula ( ): «Eu digo eu porque outros me disseram tu.» O espírito é pura e simplesmente o ponto de chegada da aventura da matéria. Não tem origem senão o conjunto do cosmos.
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( ) a consciência pessoal só viceja se se enraizar numa consciência colectiva; porque a minha consciência é o caminho percorrido na companhia das outras consciências.
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Se eu fosse um núcleo de hélio, maravilhar-me-ia com os poderes de um átomo de carbono, se eu fosse um átomo de carbono, maravilhar-me-ia ... e assim por diante.

Na extremidade da cadeia encontramos o homem. Ora este só se pode maravilhar com o único objecto mais complexo do que ele, com o único objecto que dispõe de mais poderes: a comunidade humana.

Através da consciência, que só me é dada por pertencer a essa comunidade, eu participo no impulso cósmico que tudo impele para a complexidade.

Albert Jacquard, com a participação de Huguette Planès,
Pequeno manual de filosofia para uso dos não-filósofos,
Terramar, Lisboa, 1997; p. 27; 30; 31.

2 comentários:

Tinta Azul disse...

Gostei de ler e de ouvir também.

:)

vbm disse...

:)) É um hino à Natureza!

A esse fenómeno raro da formação
da complexidade crescente!

A lei universal é da entropia,
a da desordem crescente.

Porém, prova-se que,
havendo uma fonte de energia contínua,
pode formar-se um ambiente neguentrópico,
isto é, de crescente ordem e complexidade,

sem que a desordem total seja invertida:
ou seja, no sistema total, gera-se
mais desordem do que ordem
(complexidade).

É o que permite a formação de vida nos planetas:
o espantoso desperdício de energia que cada estrela liberta ao redor dos seus satélites planetários!