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Ainda Balzac, hoje como há duzentos anos

«Se as pessoas ricas à maneira do barão de Nucingen têm mais ocasiões do que as outras de perder dinheiro, têm também mais ocasiões de o ganhar, mesmo quando se entregam às suas loucuras.

Embora a política financeira da famosa casa Nucingen se encontre explicada em outro lado, não é inútil fazer notar que fortunas tão consideráveis não se adquirem, não se constituem, não se avolumam, não se conservam, no meio das revoluções comerciais, políticas e industriais da nossa época, sem que haja imensas perdas de capitais ou, se quiserem, tributações lançadas sobre as fortunas particulares.

Muito poucos são os novos valores vertidos no tesouro comum do globo. Qualquer nova acumulação de riquezas representa nova desigualdade na repartição geral. O que o Estado pede ele o restitui. Mas o que uma casa Nucingen recebe guarda-o.
[ ]

Forçar os Estados europeus a contrair empréstimos a 20% ou 10% por cento, ganhar esses 10% ou 20% com os capitais do público, expoliar à grande as indústrias, apoderando-se das matérias-primas, lançar ao fundador de um negócio uma corda para omanter fora de água até pescar a sua empresa asfixiada, enfim, todas essas batalhas de francos ganhos constituem a alta política do dinheiro.

Decerto deparam-se riscos ao banqueiro, como riscos há para o conquistador. Mas são tão escassas as pessoas em situação de se meterem em tais combates que as ovelhas nada têm aí que ver. Essas grandes coisas passam-se entre pastores.

Assim como os executados (o termo consagrado na gíria da bolsa) são culpados de terem querido ganhar em demasia, muito pouco o público se interessa pelas desgraças causadas pelas maquinações dos Nucingen.

Que um especulador dê um tiro nos miolos, que um corretor de câmbios se ponha em fuga, que um notário leve consigo as poupanças de cem famílias, o que é pior do que matar um homem; que um banqueiro declare bancarrota; todas essas catástrofes, esquecidas em Paris em poucos meses, em breve são cobertas pela agitação quase marítima desta cidade.

As fortunas colossais dos Jacques Coeur, dos Médicis, dos Anjos de Dieppe, dos Auffredi de La Rochelle, dos Fuggers, dos Tiepolos, dos Corners, foram outrora lealmente conquistadas pelos privilégios resultantes da ignorância em que se vivia das proveniências de todas as mercadorias preciosas.

Mas hoje as noções geográficas penetraram de tal modo nas massas, a concorrência limitou a tal ponto os lucros, que toda a fortuna rapidamente feita é: ou obra de um acaso e de uma descoberta, ou resultado de um roubo legal.

Pervertido por escandalosos exemplos, o pequeno comércio tem respondido, sobretudo nestes últimos dez anos, à perfídia das concepções do grande comércio, com atentados odiosos sobre as matérias-primas. Por toda a parte onde se pratica a química não se bebe mais vinho.

Por isso, a indústria do vinho está a sucumbir. Vende-se sal falsificado, para escapar ao fisco. Os tribunais estão estupefactos com esta improbidade geral. Enfim, o comércio francês é suspeito aos olhos do mundo inteiro e a Inglaterra desmoraliza-se também.»

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«– Então, meu caro senhor – exclamou o duque Grandlieu –, comprou, ao que se diz, as terras Rubempré. Felicito-o. É uma resposta àqueles que o diziam cheio de dívidas. Quanto a nós, podemos, como a França e a Inglaterra, ter uma Dívida Pública. Mas, veja bem, as pessoas sem haveres, os principiantes, não se podem dar a esse luxo…»

Honoré de Balzac, Esplendores e Misérias das Cortesãs – I,
Publicações Europa-América, Lisboa, 1977, Colecção
Livros de Bolso nº 166, pp.187-8;244.