abril 02, 2013

                             Jules Lachelier (1834-1918)

«[ ] Dizer que um acto é livre, é dizer que é indeterminado a qualquer respeito, ou que procede de qualquer coisa indetermnada: mas a indeterminação como tal não tem nada de actual nem, por consequência, de observável [ ]. E é necessário notar que quaisquer pensamentos que não correspondessem em nós a nenhum desejo não exerceriam influência nenhuma sobre os nossos actos: porque nós não podemos agir senão tendo um bem em vista, e não podemos considerar um bem senão aquilo que para nós é objecto de um desejo.

Há mais: os próprios pensamentos que nos dão a representação de uma conduta a seguir não despertam e não se ordenam em nós senão sob a influência de um desejo, ou pelo menos de uma inclinação: porque até o nosso espírito ficaria inactivo se não fosse solicitado pela atracção de um bem, que procura possuir em ideia enquanto não o possuímos em realidade.»



«As nossas sensações, ou o que nelas há de subjectivo, as nossas afecções, serão nós próprios? […] Dizer que gozamos um prazer e sofremos uma dor, não será confessar que somos alguma coisa que se distingue desse prazer e dessa dor?  […]
Donde provém, finalmente, o nosso esforço para nos aproximarmos do que nos agrada e nos afastarmos do que nos fere, se não existe em nós um princípio de acção, uma tendência primitiva, que é estimulada pela afecção, mas não criada por ela? […]

[O] que talvez seja verdade é envolver a consciência de cada afecção, como antecedente necessário, a [consciência] de uma tendência que a produz e que nela se reflecte. A tendência não nos é dada senão pela afecção, e a necessidade mal desperta, assume para nós a forma de um mal-estar: mas sentimo-la, por assim dizer, a trabalhar, no movimento contínuo que a pouco e pouco transforma esse mal-estar em sofrimento e desse mesmo sofrimento faz nascer o prazer que acompanha a satisfação da necessidade e o bem-estar que se lhe segue.

Não é pois da percepção à vontade, mas, pelo contrário, da vontade à percepção, que se sucedem, na sua ordem de dependência, e provavelmente também de desenvolvimento histórico, os elementos da consciência. […] A consciência é essencialmente a oposição de um sujeito ou de um eu ao mundo exterior; e foi esse sujeito que sucessivamente procurámos na qualidade sensível e na afecção, para finalmente o encontrarmos na vontade.»



Jules Lachelier, Psicologia e Metafísica,
Trad. e Prefácio Adolfo Casais Monteiro
Lisboa, Cadernos Culturais Inquérito, nº 87
pp. 25-26; 41-42; 46

Sem comentários: