setembro 03, 2012


«Ensina Aristóteles que a gramática, a retórica e a dialéctica não são artes de investigação da verdade. As proposições triviais, tanto as teses que o dialecta impugna ou que o retórico defende, como as premissas dos silogismos em que aquelas teses formam conclusões, tanto podem ser verdadeiras como verosímeis, porque residem no domínio flutuante da opinião. A verdade das premissas só pode ser declarada pelos raciocínios completos cuja doutrina não compete já às disciplinas triviais, porque se situa no plano superior da lógica. As artes triviais ensinam apenas as regras de extrair consequências, necessárias ou contingentes, do que é proposto no discurso. O trívio é um exercício admirável, utilíssimo e necessário para adestramento mental, mas não consiste mais do que em usar das palavras e das frases segundo modelos mecânicos que facilmente se propõe à memória de uma criança e à inteligência de um adolescente.»

«A verdade da dialéctica depende da existência de contrários na realidade. Ora na realidade não há correspondência entre a oposição de valores e a contrariedade dos seres. Se tal houvesse, se a afirmação axiológica pudesse ser transformada em distinção gnosiológica, e se a distinção gnosiológica pudesse ser legitimamente transformada em separação ontológica, teríamos de admitir em ética, em moral e em política um dualismo comparável com a doutrina maniqueísta. A lógica demonstrará, porém, que os contrários denominados como exemplos de oposições inconciliáveis, ou resultam de artifícios de gramática, retórica e dialéctica, mantidos por convenção social, ou estão sujeitos à lei natural do nascer e morrer, pelo que se dissolvem no curso dos tempos.»

«É certo que mutuamente se contrariam os seres viventes, e ninguém nega a existência do ódio, da polémica ou da guerra, mas esta verdade cinge, envolve e demonstra a ilusão do querer ou das apressadas, efémeras e estreitas doutrinas do primado da vontade. A vontade ilude-se ou ilude-nos, com a aparência de contrários sem existência real. A vontade mediadora quanto pretende exercer-se polemicamente tanto mais constrói a ilusão em que se situa, colocando atrás de si o bem e em frente o mal. Compete à história da filosofia mostrar que a antitétca do mal ao bem, não já como valores ou predicados, mas como substâncias ou entes, tem sido e continua a ser uma das doutrinas mais pervertedoras da inteligência humana e causadora de conflitos sociais.»

(continua)
Álvaro Ribeiro, Estudos Gerais,
Lisboa, Guimarães Editores, 1961, pp.76-7

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