abril 22, 2016




Estou procurando,
estou procurando.
Estou tentando entender.
Tentando dar a alguém o que vivi
e não sei a quem,
mas não quero ficar com o que vivi.
Não sei o que fazer do que vivi,
tenho medo dessa desorganização profunda.
Não confio no que me aconteceu.
Aconteceu-me alguma coisa que eu,
pelo facto de não a saber como viver,
vivi uma outra?
A isso prefiro chamar desorganização
pois não quero me confirmar no que vivi
– na confirmação de mim
eu perderia o mundo como eu o tinha,
e sei que não tenho capacidade para outro.

Clarice Lispector,
(A Paixão segundo G. H.)

abril 20, 2016




Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?


Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!


E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...


Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze — quanta flor! — do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?

 

                           Camilo Pessanha